Mais do que um feriado comemorativo, o Dia 1º de Maio carrega uma história marcada por luta, repressão e conquistas da classe trabalhadora. A origem remonta a 1886, em Chicago (EUA), quando operários iniciaram uma greve por jornadas de trabalho de 8 horas diárias. A manifestação foi duramente reprimida, resultando em mortes, prisões e execuções. O episódio ficou conhecido como a “Tragédia de Haymarket”.
Segundo o historiador Samuel Fernando de Souza, professor da Escola Dieese de Ciências do Trabalho, durante o congresso da Internacional Socialista de 1889, o 1º de Maio foi instituído como o Dia Internacional dos Trabalhadores, em memória dos que perderam a vida na luta por direitos.
A socióloga Laura Valle Gontijo, da Universidade de Brasília (UnB), destaca que a manifestação em Chicago teve um desfecho trágico com a explosão de uma bomba, usada como pretexto para a repressão policial que deixou quatro mortos e centenas de feridos. Oito trabalhadores foram acusados de conspiração, mesmo sem provas. Sete foram condenados à morte e quatro foram enforcados. “É em memória desses trabalhadores que se comemora a data”, afirma.
No Brasil: entre comemoração e disputa simbólica
A comemoração da data no Brasil teve início por volta de 1891, em cidades como Rio de Janeiro e Porto Alegre. Com o passar dos anos, o 1º de Maio passou a ser alvo de disputas simbólicas. Durante o governo Vargas (1930–1945), a data foi ressignificada como “Dia do Trabalho”, e usada como vitrine para apresentar medidas como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e anúncios de aumento do salário mínimo.
Após o golpe militar de 1964, o movimento sindical foi enfraquecido e o caráter político da data, esvaziado. Mas no fim dos anos 1970, o chamado Novo Sindicalismo — liderado por movimentos do ABC paulista e pelo então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva — resgatou o 1º de Maio como símbolo de resistência e mobilização política.
Trabalho ou trabalhador?
Para Laura Gontijo, a tentativa de transformar o Dia do Trabalhador em uma celebração genérica ao “trabalho” é uma forma das classes dominantes esvaziarem o conteúdo político da data. “O que seria o Dia do Trabalho? Isso não faz sentido. É uma tentativa de esconder que o 1º de Maio é um dia de luta”, diz.
A pesquisadora compara essa tentativa ao que ocorre com o Dia Internacional da Mulher, que muitas vezes é tratado apenas como uma data comemorativa, em vez de pautar reivindicações por igualdade e direitos.
Desafios atuais e retrocessos
As lutas atuais da classe trabalhadora envolvem tanto a manutenção de direitos quanto a ampliação deles. A pesquisadora destaca o caso da pejotização — quando o trabalhador é contratado como pessoa jurídica para burlar a legislação trabalhista — e a falta de regulamentação das plataformas digitais, que impõem jornadas exaustivas a seus prestadores de serviço.
De acordo com levantamento de 2022, entregadores de aplicativo trabalhavam, em média, 47,6 horas por semana, sendo que em alguns casos as jornadas chegavam a 80 horas semanais. “É um retrocesso ao tempo da Revolução Industrial”, alerta Gontijo.
Escala 6×1 e exaustão dos trabalhadores
Outra pauta urgente é o fim da escala 6×1 (seis dias de trabalho para um de descanso). Projetos no Congresso propõem dois dias de folga semanal. Para a pesquisadora, a escala atual impede o convívio familiar e o descanso necessário. “É insustentável. Muitos nem têm um dia fixo de folga”, critica.
Redução da jornada: um debate atual
Laura defende a redução da jornada semanal para 35 ou 36 horas, sem corte de salários. “Não adianta acabar com a escala 6×1 sem estabelecer um limite diário de horas. Caso contrário, o trabalhador continuará sobrecarregado.”
Ela aponta que, apesar dos avanços tecnológicos, que aumentaram a produtividade, os benefícios não têm sido repassados aos trabalhadores. “As empresas produzem mais, mas a jornada de trabalho continua aumentando. A mais-valia cresce, e a exploração também”, conclui.
Conclusão
O 1º de Maio, portanto, segue sendo uma data de resistência. Um lembrete histórico de que os direitos conquistados vieram de lutas intensas e que, em pleno século XXI, muitos desses direitos continuam ameaçados. O dia reforça a necessidade de mobilização por melhores condições de trabalho, salários dignos, e jornadas justas — para que o trabalho, de fato, dignifique, e não exaura o ser humano.